Antes de começar a escrever a sério, é importante referir que o meu novo desodorizante tem um cheiro muito agradável. Uma sensação fresca, presumo. Um toque suave e macio como uma loção perfumada. E que, inevitavelmente, me lembra o Verão.
Hoje tive uma sensação que há muito não sentia. Quebrei as regras. Uma discussão acendeu-se durante o almoço, uma taça de morangos voou e pronto: - “Bem podes esquecer os teus planos de férias, minha menina!”.
Se fosse há três, quatro meses atrás, eu já estaria a lacrimejar que nem uma Madalena arrependida, mordendo as mãos até fazer marca, aos gritinhos que tinha por hábito abafar na almofada... Agora? Levantei-me, varri os cacos, lavei os dentes e meti-me a ler um romance novecentista. Chorar? Nem uma lágrima, nem daquelas atrevidas que nos humedecem ternurosamente as bochechas.
Desde o início de 2007 que me preocupava excessivamente em ser feliz. Queria a vida perfeita: boas notas, um círculo de amigos razoável e um namorado que me telefonasse a desejar as boas noites. Entre uns copinhos partidos e uns pacotes de pastilhas elásticas, consegui tudo isso. Finalmente esmaguei esses pensamentos de vida estável. Quanto mais nos preocupamos em ser felizes, menos o somos. A verdade é que já fui muito feliz com as anteriormente referidas dávidas. Faltam-me agora algumas dessas doçuras da alma, mas sou feliz na mesma. Que me rala isso? Nem uma nódoa negra.
A minha vida não tem que ser nada de especial. Porque terei eu de exibir um futuro exemplar? Para isso, já bastam as novelas! Já não vou de comboio lá ter com eles, e depois? Não tinha tudo de correr às mil maravilhas! Não preciso de falar muito, seja como for, quem eu mais preciso de agradar não me quer ouvir. Não necessito de sair com um grupo de jovens de camisolas estampadas para dizer que tenho uma vida social. Tenho mesmo obrigatoriedade de a ter?... Não tenho que ter sempre a depilação das axilas impecável, digam-me agora que não tenho direito a desleixar-me um pouco!
Tendo um livrinho ou outro para fantasiar, papel e caneta para desabafar e uma máquina fotográfica para tornar belo aquilo que não é, estou nas nuvens!
Não posso, no entanto, esconder a revolta pelo que ela me disse hoje: “Tu, a trabalhares? Não fazes nada, não sabes fazer nada!”. Sei que tem razão, e se tivesse engolido um sapo não teria ficado trancada toda a tarde no quarto… Mas caramba, não sei fazer nada? Posso não saber fazer uma cama sem deixar uma pontinha que seja amarrotada, posso sujar um pouco a cozinha quando preparo um bolo e salpicar o espelho quando lavo a cara, mas há algo que sei fazer, talvez a única: SENTIR.
Olhar para a minha mão, envelhecida e ressequida, com as veias sobressaídas, e saber reconhecer-lhe o encanto, a beleza da experiência. Conseguirá ela fazer isso olhando para as suas rugas? Palpar o pó do mobiliário e ter uma sensação de conforto, sentirá ela isso? Deitar-se na terra enlameada e querer todo o corpo envolto nela, sentir-se orgânica, suja, verá ela o prazer de tal acto? Numa bonita paisagem natural, que fará ela para além de exclamar “Oh, que bonito!”? Eu foco campos de profundidade, comparo as formas e os tamanhos, transporto o olhar até ao ângulo que compõe a melhor imagem.
Pois, sentir não traz dinheiro, nem uma carteira de contactos, nem uma casinha e vida organizada, digna de ser comentada: “Aquela fulana é mesmo ajeitadinha, tem um bom emprego, um bom marido, filhos, um jardim com amores-perfeitos…”. Não é isso que quero, não é isso que procuro.
Só quero tocar-me e sentir o afecto que por mim só eu mesma tenho!...