Morreu, morreu e morreu. Talvez seja necessário repetir isto umas mil vezes até me mentalizar que é verdade.
Sem glória? Não sei, não sei… Quem é que morre glorioso? Talvez um taradinho com uma arma que se alistou no Exército para defender interesses que nem são seus. O Francisco morreu glorioso, foi um lutador, sempre.
Terei de ser mais sincera que nunca: eu não sou a Ana e o Francisco não tinha leucemia nem se chamava Francisco. Era o Miguel e tinha um tumor no cérebro.
Morreu numa cama de hospital e estava em coma há quase quatro meses. Os pais decidiram desligar as máquinas, segundo o que ouvi.
Recebi a notícia ontem de manhã, bem cedinho, por uma rapariga que também fizera parte da sua vida. Não me contive e as emoções falaram mais forte. Foi duro, muito duro. Ainda o está a ser.
A última vez que o vi foi em Fevereiro, num concerto. Ele quis conversar comigo e eu respondi, bruscamente:
- Deixa-me em paz, não me procures mais!
Ele era um fantasma do passado que me perseguia, mas a partir daí nunca mais me contactou. Pudera…
Muitas pessoas me elogiam de como eu fui corajosa em continuar ao lado de uma pessoa que não era igual às outras. Era um rapaz que não me poderia dar um futuro, repetia a minha mãe vezes sem conta. Provavelmente nunca me daria filhos. Não conseguia estar muito tempo sem tremer. Coxeava. Via muito mal. Tinha algumas dificuldades em comer de forma asseada. Mas sim, eu continuei com ele. E continuei também a considerar-me uma cobarde.
Terminámos o que tínhamos dois meses e meio depois de iniciarmos esta suposta loucura em que ambos sofremos dadas as circunstâncias. Mas não me arrependi. Não me arrependo. Ele ensinou-me muita coisa. Ensinou-me a ser forte, a lutar pelo que queria, a não ter medo de deitar tudo a perder. Ensinou-me a enfrentar os meus progenitores. Ensinou-me o valor da (débil) vida.
O Miguel foi a pessoa mais lutadora que conheci. Um exemplo. Claro que cometeu erros, erros esses que até lhe prejudicaram a saúde. Devorava cigarros e tomou outras atitudes que, felizmente, a experiência e o tempo lhe ensinaram que estavam erradas.
O funeral foi horrível. Horripilante. Assustador. Arrepiante. Melancólico. Diria mesmo traumatizante. Não faltaram lágrimas derramadas que brotavam como riachos nas margens das bochechas de cada um dos presentes. Não tive coragem de lhe observar a face por completo. Mal lhe avistei uns centímetros da testa e dos olhos, o coração estoirou num intenso horror. As pernas baloiçaram, desequilibradas. A cabeças rebentou num turbilhão de memórias. O choro, esse, não cessava.
Quando contei toda a “nossa história” a um confidente íntimo, este comentou que a achava muito bonita, mas eu não vejo nada de bonito neste cruzamento de almas solitárias. Claro que marcou, marcou muito. Não só por ele ter esta doença e por ter falecido, mas também (aliás, sobretudo), por ter sido uma pessoa muito especial. Imensamente especial. Intensamente especial.
Neste momento sou um pedaço de nada, um cérebro vazio reduzido a três ou quatro meses de existência…
O Miguel morreu. Morreu, morreu e morreu.
1 comentário:
caramba.. adorei o seu blog!
não tenho costume de ler,
e quando dei por mim, estava quase sabendo da sua vida inteira! rs
tá.. não é pra tanto!
E achei mais interessante ainda pois és de Portugal..
Adoro amizades distantes! hehehe
Sou brasileira e nós sempre temos a mania de fazer piadinhas de Portugueses.. burrice nossa de "julgar" um país que tem pessoas tao cultas, inteligentes e interessantes como vc. Parabens!
Qlq coisa se quiser manter contato meu email é elisapingret@gmail.com.
Beijus
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