29/02/2008

Metáfora



Foi gradual. Piorou, piorou, piorou… Até que chegou a um extremo. Está é a prova viva que adiar a resolução dos problemas é ainda pior.

O sol brilha da mesma forma, lá longe. Mas, nos meus olhos, o céu tornou-se escarlate. As andorinhas olham para mim com ar sardónico. O galo canta como se me estivesse a ordenar algo de modo impiedoso.

O sonho caiu e estilhaçou-se em pedaços cortantes, mais velozes que uma lâmina acostumava a tirar vidas. O sangue jorra em forma de culpa e desilusão. É uma batalha contra a penumbra da qual o suor do meu rosto saiu vencido. A contagem decrescente começa.

O detonador está pronto. O bolor dos dilemas parece estar a acelerar o contador. A pedra salta-me da mão e rola pela encosta abaixo. Haverá volta a dar?

Nunca senti o fim tão próximo. Cada palavra que me dirige sufoca-me. Um simples riso faz brotar ainda mais sangue. E as gotas descem pela ribanceira, acompanhando a pedra que não pára de rolar. O nervosismo, já passou; uma calma invade-me, controla-me os movimentos; impede-me de agir.

Todas as pedras que costumava pisar, excepto duas, aproximam-se do detonador. Consigo levar as mãos à cabeça, e tentando descobrir a solução, os cabelos tornam-se em sangue. As mãos tornam-se em sangue. A cara torna-se em sangue. E as pedras aproximam-se cada vez mais. As outras duas repousam no tecto do comboio, lá em baixo. Já o pequeno calhau que larguei continua a descer, acompanhado do líquido vermelho que desfaz a forma do meu corpo.

Não tenho outro remédio senão render-me. Respiro fundo.

O grande conjunto de pedras activa o detonador. Desfaço-me completamente e escorro a uma velocidade estonteante. O comboio prepara-se para partir. Até que chego ao fim da encosta. O comboio fecha as suas portas com as duas pedrinhas no tampo. A que deixei escapar cai nos caminhos-de-ferro, juntando-se a tantas outras que tiveram igual fim. O comboio arranca e as primeiras gotas sujam a ferrovia. O comboio atropela-me e, com o vidro completamente ensanguentado, parte. Parte e não volta. Até ao dia em que alguém perde o controlo do seu seixo.

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