Retrato a curtas pinceladas

Se mencionar o seu nome hoje, para muitos será o mesmo que falar da vizinha do rés-de-chão. Mas a vizinha faz tricô, e a arte da mulher da qual hoje vou falar não pode deixar ninguém indiferente.

Há quem diga que os acidentes podem estragar uma vida, porém, eu julgo que se não fosse o acidente que deixou esta mulher às portas da morte aos 18 anos, a sua obra não seria tão esplendorosa e sentimental.

Quando quase recuperada (a morte assombrá-la-ia para o resto da vida), o seu porte altivo ergueu-se para o mundo, com os seus longos cabelos negros envolvidos nas coloridas fitas tipicamente mexicanas. A sua beleza não se enquadrava nos padrões habituais, mas era sem dúvida uma mulher bonita; e também sensual. Não era de uma vaidade pomposa, mas gostava de se sentir arranjada e feminina.

Era uma força da natureza. Gostava de ser o centro das atenções, era mordaz, perspicaz, gostava de uma boa piada. Fumava, bebia e não possuía qualquer espécie de preconceitos. Distribuía amor e calor por todo o seu círculo de amigos e família, que sempre venerou. Apesar de se ter relacionado intimamente com homens e mulheres de variadas nacionalidades, amava um só homem: Diego Rivera.

Nunca ninguém expressou de maneira tão real a dor, o sofrimento, as suas raízes. Em cada pincelada dos seus quadros existe tudo isso, de uma forma tão intimista que duvido que mais alguém o consiga fazer. Cada cor diz um pouco do coração da artista, cada esbatidela ou sobreposição de tinta lembra-nos a nós, meros observadores, parte da nossa vida, das nossas memórias rasgadas. Eu própria já chorei ao sentir o que ela sentiu, já chorei de olhar para uma das suas demonstrações de si mesma.

Os médicos afirmaram, aquando do acidente, que tinha poucas chances de sobreviver. O corpo em pedaços aguentou-se por 47 anos, no entanto, julgo que a sua alma ainda hoje perdura, em cada quadro seu. A alma de Magdalena Carmen Frida Kahlo y Caldéron.